Seguidores

sexta-feira, 3 de julho de 2020







A censura no Regime Militar foi realmente tão ruim? (parte 3)





Waldik Soriano 


Em 1974, ano que talvez tenha sido o ápice da censura sobre a música popular no Brasil, Waldik Soriano teve sua canção Tortura de Amor censurada. O motivo: continha a palavra “tortura”, e era inadmissível que se falasse em tortura naquele período. A música foi composta no final dos anos 50 e foi gravada por vários cantores, mas foi na regravação pelo próprio Waldik que ela enfrentou problema com a Censura em 1974. 

Polêmico, Waldik Soriano, em 1973, numa entrevista ao jornal Zero Hora de Porto Alegre, defendeu a existência de grupos de extermínio e disse que Cristo para ele era um arruaceiro e enganador. A sociedade não gostou nada dessas declarações e vários setores se mobilizaram para derrubar Waldik. Deputados do Rio Grande do Sul da Arena (partido do governo militar) e do MDB (partido de oposição), uniram-se em pronunciamentos contra ele, deixando de lado, por um momento, divergências entre os dois partidos. Eles defendiam a censura e o banimento de Waldik Soriano, esquecendo-se, os deputados do MDB, “de que um dos principais itens do programa do seu partido naquele momento era exatamente a defesa da liberdade de oposição e de imprensa”. Waldik também sofreu censura da sociedade, em algumas cidades do interior do Brasil seus discos e pôsteres foram queimados em fogueiras armadas em praça pública. 




Benito di Paula


A censura e o drible à censura 


O cantor e compositor Benito di Paula, ícone do chamado sambão-jóia, também passou pelo crivo dos militares e teve que utilizar o recurso da “linguagem da fresta” para burlar o cerco da Censura, onde as letras das músicas faziam sentido não no dito, mas no interdito, nas entrelinhas. Benito di Paula teve seu primeiro LP recolhido das lojas logo após seu lançamento, em 1971, por conter na faixa de abertura o samba Apesar de Você de Chico Buarque. Quando se decidiu incluir a música no LP de Benito ela ainda não estava proibida. “Num primeiro momento não era óbvio para todo mundo que a mensagem de Chico Buarque era endereçada ao presidente Médici. A própria Censura só foi perceber isto meses depois do lançamento, quando o compacto de Apesar de Você já tocava na rádio e havia vendido cerca de 100 mil cópias”. 



Tributo à um rei esquecido 
Benito Di Paula -1974 

No caso de Tributo a um rei esquecido, o problema com a censura é que a canção não somente faz homenagem a um dos artistas brasileiros mais visados pela ditadura militar - Geraldo Vandré, compositor de Pra Não Dizer que Não Falei das Flores, - como também amplifica uma pergunta que muitos brasileiros faziam em relação a Vandré: “O que foi que fizeram com ele?” 

Para driblar a Censura Benito di Paula utilizou a linguagem de fresta em suas músicas O bom é o Juca (composição de Carlos Magno e que também faz referência ao general Médici) e Tributo a um rei esquecido (homenagem ao cantor e compositor Geraldo Vandré). No final da música O bom é o Juca utiliza-se “o bom é o Juca e tem que ser/ presidente da escola” para não ser acusado de pretender o cargo do presidente Médici. E assim a música foi liberada pela Censura que não percebeu a analogia entre Brasil-favela, presidente da República-presidente da escola. 



Tributo A Um Rei Esquecido 

Benito Di Paula, 1974 


Ele foi um rei, e brincou com a sorte 
Hoje ele é nada, e retrata a morte 
Ele foi um rei, e brincou com a sorte 
Hoje ele é nada, e retrata a morte 
Ele passou por mim, mudo e entristecido 
Eu quis gritar seu nome, não pude 
Ele olhou pra parede, disse coisas lindas 
Disse um poema pra um poste, me veio lágrimas 


O que foi que fizeram com ele? Não sei 
Só sei que esse trapo, esse homem foi um rei 
O que foi que fizeram com ele? Não sei 
Só sei que este trapo, esse homem foi um rei 




Luiz Ayrão 

E o protesto dos Treze anos; Wando e a crítica social 


Luiz Ayrão, por ter conseguido se formar em Direito, é um dos únicos desta geração de artistas “cafonas” que fez algumas canções com letras intencionalmente políticas. Uma dessas músicas é o samba Treze anos e que também sofreu com a Censura. “Embora não traga em seu título referências políticas muito óbvias, é um dos mais contundentes protestos produzidos no âmbito da musica popular contra o regime instalado no Brasil em 1964”. O samba é uma resposta as comemorações dos treze anos da revolução de 1964. Ele foi proibido pela Censura com o título de Treze anos, mas Luiz Ayrão, malandramente troca o nome do samba para O divórcio e o manda para um outro departamento de Censura sem mudar nada na letra, e com isso é liberado. Quando o general Fernando Belfort Bethlem ouviu a música não gostou nada e esbravejou aos quatro cantos: “Vocês são todos uns calhordas! Olha só o que esse cara fez. Ele sacaneou todo mundo e ninguém viu (...) esse cara sacaneou todos nós e vocês deixaram”. Com a ameaça de o disco ser recolhido das lojas a gravadora acionou um advogado para intervir junto à Brasília e conseguiu fazer com que a música não fosse proibida. 

Para Paulo Cesar, o samba O divórcio poderia ter servido de trilha sonora para tantas passeatas promovidas naquele período, mas “os estudantes universitários não ouviam cantores populares como Luiz Ayrão e por isso não tomaram conhecimento do samba”. Em obras de artistas populares como Luiz Ayrão, Benito di Paula e Wando, “negavam-se as intenções críticas, por mais evidentes que fossem. Como não eram nomes identificados com a MPB, não seriam capazes de refletir e criticar”.


O divórcio 
Luiz Aragão – 1977 

No ano de 1977 o regime saudava os “13 anos de revolução de 1964”, enquanto Luiz Ayrão cantava “Treze anos que eu te aturo e não aguento mais / Não há cristo que suporte e eu não aguento mais”, uma clara referência ao regime vigente naquela época e teve sua música censurada. Ao trocar o título “Treze Anos” por “O Divórcio” ela foi liberada. 


Divórcio 

Luiz Ayrão, 1977 


Treze anos eu te aturo 
Eu não agüento mais 
Não há "cristo" que suporte 
Eu não suporto mais 
Treze anos me seguro 
E agora não dá mais 
Se treze é minha sorte 
Vai, me deixa em paz 


Você vem me infernizando 
Como satanás 
Você vem me enclausurando 
Como alcatraz 
Você vem me sufocando 
Como o próprio gás 
Ainda vive me gozando 
Assim já é demais 


Você vem me tapeando 
Como um pente-fino 
E vem me conversando 
Como ao bom menino 
E vem subjugando 
O meu destino 
E vem me instigando 
A um desatino 
Um dia eu perco a timidez 
E falo sério 
E faço as minhas leis 
Com o meu critério 
E vou para o xadrez 
Ou o cemitério 
Mas findo de uma vez 
Com seu império. 




Wando 


O cantor e compositor Wando, também fez músicas com forte conteúdo crítico-social, a música Presidente da favela é um exemplo. Ela chama a atenção para um dos aspectos sociais mais importantes daquele período: a emergência de movimentos de organização de moradores de bairros e favelas. 







Secos e Molhados 


Nas apresentações do Secos & Molhados, de Ney Matogrosso, o problema não era a música, mas o visual andrógino e transgressor: tecidos coloridos, brilhantes, tules e uma certa nudez preocupavam os censores, que só liberavam as transmissões de shows se os corpos dos cantores não fossem mostrados, deixando apenas os rostos em close. 





Odair José 


Estima-se que pelo menos 40 letras de Odair foram vetadas pela Censura. 

A questão foi analisada pelo pesquisador Ivan Lima, na dissertação de mestrado em história da Universidade Federal da Paraíba Ame, assuma e consuma: Canções, censura e crônicas sociais no Brasil de Odair José (1972-1979). 


Pesquisador dedicou três anos de pesquisa em dissertação sobre o músico. 

“Tudo que era negócio de cama, corno, seio, não podia falar. Passei quatro anos dessa maneira“, conta Odair José, famoso pelas músicas bregas. Canções como “O Motel” e “A Primeira Noite” foram censuradas justamente por ofenderem a moral e os bons costumes. Por outro lado, a famosa “Pare de Tomar a Pílula” foi liberada e os censores só voltaram atrás quando uma campanha nacional pelo controle de natalidade foi patrocinada pelo governo. 



Censuradas 




Em qualquer lugar 


Nem sempre as mudanças no conteúdo ou negociações com a Divisão de Censura de Diversões Públicas garantiam aprovação de letras antes vetadas. Em qualquer lugar é exemplo: a letra foi analisada por 12 diferentes censores em quatro processos distintos e, em 15 de junho de 1973, o parecer definitivo do órgão proibiu a gravação. O problema foi o conteúdo "considerado imoral", sugerindo a prática sexual em qualquer lugar. 




A primeira noite 



A perseguição levou o músico a objetar várias das proibições impostas, a ponto do músico procurar, em 1974, o general Golbery Couto e Silva, chefe de gabinete civil de Geisel, para discutir a situação. Sem sucesso nas negociações, Odair mudou a letra de A primeira noite, vetada por ser considerada de moral duvidosa para os jovens. A faixa acabou modificada, inclusive no título, que virou Noite de desejo. 










Amantes

O veto à música é justificado no documento por conta da "Ligação Amorosa Irregular e comentários pouco convenientes". Para Lima, "essas argumentações evidenciam a censura ao que fosse moralmente condenável. O casamento como instituição é atribuído como algo que não podia ser arranhado". O pesquisador lembra também que o divórcio ainda não era legalmente instituído em 1974. 










Jorge Mautner 





“Papoulas e arco-íris”, vetada pelo conteúdo “alienado, extraterrestre. Umas das justificativas da censura diz que a letra de Papoulas e Arco Iris, de Jorge Mautner, “leva a interpretações conhecidas como: papoulas (ópio) e arco-iris (sonhos coloridos)” Diz ainda que “Além do mais, durante toda a letra o autor se mantém em constante vibração extraterrena…”



Geraldo Vandré 



Para Não Dizer que Não Falei das Flores. 


Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei das Flores) foi composta em 1968 e participou do III Festival Internacional da Canção, ficando em segundo lugar, atrás de “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque. A composição se tornou um hino de resistência do movimento civil e estudantil que fazia oposição ao governo militar. O refrão "Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora, / Não espera acontecer" foi interpretado como uma chamada à luta armada contra os ditadores. Ainda em 1968, com o AI-5, Vandré foi obrigado a exilar-se. 


Antes de deixar o país Geraldo Vandré compôs ainda A canção da despedida. Existem duas lendas sobre sua volta ao Brasil: a primeira e mais difundida diz que ele foi preso, torturado, castrado e enlouqueceu; a segunda, diz que ele fez acordo com os órgãos de repressão na sua volta, mas nenhuma das duas foi confirmada. Vandré, no entanto, sempre afirmou que nunca foi torturado e se nega a falar sobre o assunto. 





Nessa entrevista ele descontrói o mito de que tenha feito a canção “Pra não dizer que não falei de flores” como forma de protesto e se demonstra indignado por ter sido usado para esse propósito, pois, não desejava ser um cantor militante, mas, somente um artista fiel a suas convicções artísticas. 






Caminhando (Pra não Dizer que não Falei das Flores)
Geraldo Vandré, 1968 


Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer 

Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. 

Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. 

Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. 

Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. 



A música, que ficou conhecida mais tarde como Canção da Despedida, foi gravada em 1968 pela parceria de Vandré e Geraldo Azevedo foi proibida de execução porque o censor identificou conteúdo político e referência aos auto exilados nos versos: “Eu quis ficar aqui mas não podia, o meu caminho a ti não conduzia, um rei mal coroado não queria o amor em seu reinado, pois sabia não ia ser amado.” 




Canção da Despedida 
Geraldo Azevedo - 1968 



Já vou embora 
mas sei que vou voltar 
Amor não chora 
Se eu volto é pra ficar 

Amor não chora 
que a hora é de deixar 
O amor de agora pra sempre ele ficar 

Eu quis ficar aqui mas não podia 
O meu caminho a ti não conduzia 
Um rei mal coroado não queria o amor em seu reinado 
Pois sabia não ia ser amado 

Amor não chora eu volto um dia 
O rei velho e cansado já morria 
Perdido em seu reinado 
Sem Maria 
Quando eu me despedia 
No meu canto lhe dizia




Ivan lins


Está tudo nas cartas (Cartomante) 
Ivan Lins/Vitor Martins, 1978 



“Essa música se chamava “Está tudo nas cartas”, uma jornalista da revista Veja usou uma declaração do meu parceiro, Vitor Martins, que ele deu em off, e ela publicou. Nessa declaração o Vitor não falava boas coisas sobre o chefe da Censura Federal, mas isso não fazia parte da entrevista. Depois dessa entrevista do Vitor, Está tudo nas cartas entrou na lista de “vetada definitivamente” pela censura. Mas como ela já estava pronta na voz de Elis Regina, alguém da gravadora Phillips foi a Brasília e conseguiu liberar a música, mas com uma condição: era preciso mexer no título. Mudamos para Cartomante.” (Ivan Lins) 



Cartomante 
Compositor: Ivan Lins/Vitor Martins, 1978 


Nos dias de hoje é bom que se proteja 
Ofereça a face pra quem quer que seja
Nos dias de hoje esteja tranqüilo 
Haja o que houver pense nos seus filhos 

Não ande nos bares, esqueça os amigos 
Não pare nas praças, não corra perigo 
Não fale do medo que temos da vida 
Não ponha o dedo na nossa ferida 

Nos dias de hoje não lhes dê motivo 
Porque na verdade eu te quero vivo 
Tenha paciência, Deus está contigo 
Deus está conosco até o pescoço 

Já está escrito, já está previsto 
Por todas as videntes, pelas cartomantes 
Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas 
No jogo dos búzios e nas profecias 

Cai o rei de Espadas 
Cai o rei de Ouros 
Cai o rei de Paus 
Cai, não fica nada. 




Sérgio Sampaio


Eu quero é botar meu bloco na rua 
Sérgio Sampaio - 1972 


Lançada em 1972, Eu quero é botar meu bloco na rua foi censurada pelo sentido de incitação da população contra as forças armadas. Na época, o exército levava tropas para as ruas, como meio de demonstrar a força para os cidadãos. Sérgio Sampaio também queria colocar a sua tropa de guerrilheiros (bloco) na rua, com objetivos diferentes, de tomada de poder. O Durango Kid, que aparece na letra da canção, é uma metáfora para militares, no caso o inimigo que impedia o bloco de ser “botado” na rua. 



Eu Quero É Botar Meu Bloco Na Rua 
Sérgio Sampaio-  1972 


Há quem diga que eu dormi de touca 
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga 
Que eu caí do galho e que não vi saída 
Que eu morri de medo quando o pau quebrou 

Há quem diga que eu não sei de nada 
Que eu não sou de nada e não peço desculpas 
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira 
E que Durango Kid quase me pegou 

Eu quero é botar meu bloco na rua 
Brincar, botar pra gemer 
Eu quero é botar meu bloco na rua 
Gingar pra dar e vender 

Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer 
Eu quero é botar meu bloco na rua 
Gingar pra dar e vender 

Eu, por mim, queria isso e aquilo 
Um quilo mais daquilo, um grilo menos nisso 
É disso que eu preciso ou não é nada disso 
Eu quero todo mundo nesse carnaval... 
Eu quero é botar meu bloco na rua 

Brincar, botar pra gemer 
Eu quero é botar meu bloco na rua 
Gingar pra dar e vender 

Eu quero é botar meu bloco na rua 
Brincar, botar pra gemer 
Eu quero é botar meu bloco na rua 
Gingar pra dar e vender 

Há quem diga que eu dormi de touca 
Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga 
Que eu caí do galho e que não vi saída 
Que eu morri de medo quando o pau quebrou 

Há quem diga que eu não sei de nada 
Que eu não sou de nada e não peço desculpas 
Que eu não tenho culpa, mas que eu dei bobeira 
E que Durango Kid quase me pegou 

Eu quero é botar meu bloco na rua 
Brincar, botar pra gemer 
Eu quero é botar meu bloco na rua 
Gingar pra dar e vender 

Eu quero é botar meu bloco na rua 
Brincar, botar pra gemer 
Eu quero é botar meu bloco na rua 
Gingar pra dar e vender. 



Belchior


Pequeno Mapa do Tempo (Belchior, 1977) 


Pequeno Mapa do Tempo foi censurada por fazer uma crítica feroz contra o regime vigente. A canção começa com “Eu tenho medo e medo está por fora” e segue com “Eu tenho medo que chega a hora, em que eu preciso entrar no avião”, em alusão ao exílio. Com três carimbos de PROIBIDO, a música trazia, segundo os censores, mensagens de protesto político contra a realidade sócio-econômico-política brasileira. 


Pequeno Mapa do Tempo
Belchior - 1977 


Eu tenho medo e medo está por fora 
O medo anda por dentro do teu coração 
Eu tenho medo de que chegue a hora 
Em que eu precise entrar no avião 
Eu tenho medo de abrir a porta 
Que dá pro sertão da minha solidão 
Apertar o botão: cidade morta 
Placa torta indicando a contramão 
Faca de ponta e meu punhal que corta 
E o fantasma escondido no porão 


Medo, medo. Medo, medo, medo, medo
Eu tenho medo de Belo Horizonte 
Eu tenho medo de Minas Gerais
Eu tenho medo que Natal Vitória 
Eu tenho medo Goiânia Goiás 
Eu tenho medo Salvador Bahia 
Eu tenho medo Belém do Pará 
Eu tenho medo Pai, Filho, Espírito Santo São Paulo 
Eu tenho medo eu tenho C eu digo A 
Eu tenho medo um Rio, um Porto Alegre, um Recife
Eu tenho medo Paraíba, medo Paranapá 
Eu tenho medo estrela do norte, paixão, morte é certeza 
Medo Fortaleza, medo Ceará 

Medo, medo. Medo, medo, medo, medo 

Eu tenho medo e já aconteceu 
Eu tenho medo e inda está por vir 
Morre o meu medo e isto não é segredo 
Eu mando buscar outro lá no Piauí 
Medo, o meu boi morreu, o que será de mim?
Manda buscar outro, maninha, lá no Piauí 


Populus
Belchior - 1977 


Populus é mais uma canção de Belchior que apresenta teor político e que foi vetada junto com Pequeno Mapa do Tempo. Ela faz uma referência subliminar aos presos políticos e às torturas que ocorriam nos prédios do Dops e Deops. Belchior também cita o “esgoto do porão” para onde eram levados os prisioneiros que sofriam todos os tipos de tortura. 


Populus
Belchior - 1977 

Populus, meu cão... 
O escravo, indiferente, que trabalha 
e, por presente, tem migalhas sobre o chão. 
Populus, meu cão. 
Primeiro, foi seu pai, 
segundo, seu irmão; 
terceiro, agora, é ele... agora é ele, 
de geração, em geração, em geração. 
No congresso do medo internacional 
ouvi o segredo do enredo final 
sobre Populus, meu cão: 

documento oficial, em 
testamento especial, 
sobre a morte, sem razão 
de Populus, meu cão. 
Populus, Populus, Populus, meu chão. 

Delírios sanguíneos 
espumas nos teus lábios... 


Tudo em vão. 
Tenho medo de Populus, meu cão, 
roto no esgoto do porão. 
Seu olhar de quase gente, 
as fileiras dos seus dentes... 
Trago o rosto marcado 

e eles me conhecerão, me conhecerão. 
Populus, Populus, Populus, meu cão 


Chico Brito 
Wilson B./Afonso T.  grav. Paulinho da Viola. 1971 

Essa música, gravada por Paulinho da Viola em 1971, foi vetada sob a alegação de que evidenciava o clima marginal do samba. 


Chico Brito 
Compositor: Wilson Batista/Afonso Teixeira, 1971 

Lá vem o Chico Brito, 
Descendo o morro nas mãos do Peçanha, 
É mais um processo! 
É mais uma façanha! 
Chico Brito fez do baralho seu melhor esporte, 
É valente no morro, 
Dizem que fuma uma erva do norte. 

Quando menino ia na escola, 
Era aplicado, tinha religião, 
Quando jogava bola era escolhido para capitão, 
Mas, a vida tem os seus revezes, 
Diz sempre Chico defendendo teses, 
Se o homem nasceu bom, e bom não se conservou, 
A culpa é da sociedade que o transformou. 




Raul Seixas



Rock das aranhas
Cláudio Roberto/Raul Seixas  - 1980 

Essa música, segundo o próprio Raul Seixas, foi censurada por motivos morais. Podemos dizer que a música em questão trata da temática da sexualidade, mais precisamente da questão da homossexualidade feminina. E para a censura a sua letra era sexualmente explícita, portanto imprópria de ser veiculada. Foi proibida de tocar em rádio e TV, mas liberada para ser gravada. 


Rock das aranhas 
Compositor: Cláudio Roberto/Raul Seixas, 1980 


Subi no muro do quintal 
E vi uma transa que não é normal 
E ninguém (guém, guém, guém) vai acreditar 
Eu vi duas mulheres 
Botando aranha prá brigar 


Duas aranhas, duas aranhas 
Duas aranhas, duas aranhas 
Vem cá mulher deixa de manha 
Minha cobra quer comer sua aranha 

Meu corpo todo se tremeu
E nem a cobra entendeu 
Como é que pode duas aranhas se esfregando
Eu tô sabendo, alguma coisa tá faltando 


A minha cobra, cobra criada 
A minha cobra, cobra criada 
Vem cá mulher deixa de manha 
Minha cobra quer comer sua aranha 


Deve ter uma boa explicação 
O que é que essas aranhas tão fazendo ali no chão 
Uma em cima, a outra embaixo 
E a cobra perguntando onde é que eu me encaixo?


A minha cobra, cobra criada 
A minha cobra, cobra criada 
Vem cá mulher deixa de manha 
Minha cobra quer comer sua aranha 


Soltei a cobra e ela foi direto 
Foi pro meio das aranhas 
Prá mostrar como é que é certo 
Cobra com aranha é que dá pé 
Aranha com aranha sempre deu em jacaré 


É minha cobra, cobra com aranha 
É minha cobra, com as aranhas 
Vem cá mulher deixa de manha 
Minha cobra quer comer sua aranha 




Mas afinal o que agradava aos censores? 



A defesa da família tradicional, dos bons costumes, da moral e do país. o ufanismo era algo que realmente elevava alma dos militares.



A dupla Dom & Ravel ficou marcada como representante da ideologia expressa pelo regime militar e principal porta-voz das realizações do governo no período do “milagre econômico”, com sua música Eu te amo meu Brasil, gravada em 1970, em meio a euforia coletiva pela conquista da Copa do Mundo do México, pelo grupo de rock Os Incríveis. 

A música se tornou um grande sucesso naquele ano, e ao mesmo tempo, tornou-se uma das músicas mais rejeitadas por aqueles que faziam oposição ao regime militar. “A composição traz implícita a ideologia do nacionalismo ufanista, característico dos regimes autoritários, mas ao recordar o tema Dom afirma que ele é resultado de influências da época, do que estava vendo e ouvindo nos rádios, nas propagandas e nas ruas”. 


Havia um orgulho em ser brasileiro e uma onda ufanista cobria o Brasil de norte a sul. E esta onda de entusiasmo pelo Brasil não foi expresso apenas por Dom & Ravel, “diversos compositores, das mais variadas tendências da música, produziram mensagens que, em maior ou menor grau, se harmonizavam com a atmosfera desejada pela propaganda oficial do regime”, mas somente a dupla Dom & Ravel ficou estigmatizada por isso. 

Um exemplo da alegria coletiva com a nação brasileira expressa em forma de música é a composição País tropical de Jorge Benjor lançada por Wilson Simonal em 1969. Vale ressaltar que Médici recebeu várias manifestações de afago e incentivo de vários cantores populares. Por causa da propaganda feita pelo seu governo e pelo “milagre econômico”, Médici foi muito elogiado. O grupo Os Originais do Samba, os sambistas Jorginho do Império e Pedrinho Rodrigues, também gravaram músicas exaltando o Brasil e defendendo o slogan do governo Médici: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. O conjunto de Waldeck de Carvalho, o cantor Roberto Silva e o bloco Cacique de Ramos manifestaram em músicas seu apoio e simpatia ao governo Médici.
O vendaval ufanista também arrastou artistas da MPB que transitavam pelos círculos da esquerda, é o caso de Ivan Lins, que no V Festival Internacional da Canção, em 1970, apareceu com a composição O amor é o meu país. “A oposição protestava mas as adesões se ampliavam”. 




“A marcha Eu te amo meu Brasil é apenas mais uma entre diversas outras composições que naquele momento expressavam um certo otimismo com o país. (...) Para estes artistas, como para grande parte da população brasileira, o ufanismo era algo natural e legítimo naquele momento”. (Ravel)

Em março de 1971, a dupla Dom e Ravel gravou seu primeiro LP, e uma das faixas de maior destaque é a balada Só o amor constrói, mensagem de união e fraternidade que, mesmo não sendo ufanista, está acompanhada de signos identificados com a ideologia expressa pelo regime militar. Dom em entrevista dada a Paulo Cesar,diz que ele “via gente comentando que muitas pessoas tinham sido assassinadas, tanto de um lado quanto de outro: gente da esquerda matando; gente da direita torturando, aquela confusão toda, um lado querendo destruir o outro”, e por isso fez a música com a intenção de ver os interesses divergentes conciliados, conciliados pelo amor. 


Outra gravação da dupla, em 1971, que também alcançou sucesso e polêmica foi a canção Você também é responsável, que se tornou uma espécie de símbolo do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização). Dom realmente acreditava no projeto educacional, ele disse que “já estava pensando em fazer uma música abordando a questão educacional em nosso país, mas ao tomar conhecimento mais profundamente daquele projeto de se erradicar o analfabetismo do Brasil, resolvi fazer Você também é responsável”. A composição expressa dois aspectos: entusiasmo com o projeto do governo e empatia com a dificuldade de milhões de brasileiros que, excluídos da ordem social, não tiveram oportunidade de aprender a ler e escrever. E canções e mensagens de exaltação ao Mobral não faltaram naquele período. 

Muitos afirmam que a dupla recebeu dinheiro do governo militar para fazer a música, mas os irmãos negam essa afirmação enfatizando que jamais ganharam nada, pelo contrário, entregaram 50% dos direitos autorais dessa música para o movimento do Mobral. 





Fontes: 


https://www.politize.com.br/censura/ 

https://controversia.com.br/2017/01/17/livro-mostra-como-censura-impos-discurso-conservador-na-tv/ 

https://www.hypeness.com.br/2017/09/em-momento-de-debate-sobre-censura-relembre-10-musicas-proibidas-pela-ditadura-militar/ 

https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/censura-o-regime-militar-e-a-liberdade-de-expressao.htm?cmpid=copiaecola 

http://www.centrocultural.sp.gov.br/











A censura no Regime Militar foi realmente tão ruim? (parte 2) 


Durante o regime militar, a censura à produção cultural passa a perseguir ideias contrárias aos interesses dos militares – mesmo aquela que não tivesse conteúdo diretamente político. E muitas canções foram censuradas por motivo moral, por discriminação, preconceito e, principalmente, pela falta de preparo dos censores. João Carlos Muller Chaves, na época advogado da Phonogram e EMI-Odeon, ressalta a questão do critério no órgão de censura: “O critério era não ter critério. Às vezes eles barravam determinada música por não entenderem o que estava escrito ali. Não estavam preparados para aquela atividade, foram remanejados de outros departamentos e caíram em uma função jamais imaginada por eles”. 


E na falta de verso, o silêncio também poderia ser visto como ameaça. É o caso do álbum instrumental “Casa Forte”, lançado pelo compositor Edu Lobo, em 1971. Segundo o DCDP, se não há palavras, qualquer interpretação é possível e as faixas poderiam ser usadas como propaganda anti-regime. Bom, se o poeta Ferreira Gullar foi acusado de manter relações com Cuba após a polícia apreender em sua casa um livro com o título “Do Cubismo à Arte Neoconcreta”… Como bem pontua o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony. “A gente contava com dois fatores, um a favor e outro contra. O a favor era o seguinte: os censores eram muito burros, então não percebiam certas nuances. Por sua vez, por serem muito burros, muitas vezes cismavam com coisas que não tinham nada demais e proibiam uma peça ou uma música”. 


Censura na música: 


Era na música que os protestos mais pungentes contra o regime estavam presentes. Na maioria das vezes, eles vinham mascarados por inversões, ironias, duplos sentidos e estratégias linguísticas que não raro passavam despercebidas pelo Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP), mas nunca pelo público. Aos olhos dos censores, contudo, não era só o posicionamento contra o governo que chamava a atenção, mas também todo e qualquer termo ou situação que atentasse contra a moral e os bons costumes. 






Chico Buarque 


Apesar de você 


Composta diretamente para afirmar o descontentamento de Chico com a situação do país em 1970, Chico enviou Apesar de Você à censura fingindo tratar-se de uma canção sobre uma relação que terminava, mas tendo certeza de que seria vetada. Para sua surpresa, inicialmente a letra foi aceita e a música foi lançada em compacto, alcançando grande sucesso. 


Quando a canção se tornou mania, alcançando status de hino de esperança e resistência contra o regime, foi que a censura percebeu o sentido real e proibiu a canção. Já era tarde. 


 


Apesar de você (Chico Buarque) 


Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse Estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão 


Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar 


Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar 


Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa 


Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente 


Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal 


O compacto com as músicas “Desalento” e “Apesar” de você vendeu mais de 100 mil cópias e foi somente meses mais tarde, depois de ser publicada uma nota sobre a música em um jornal, que o governo sacou: o estado de que Chico falava era com “e” maiúsculo e a desavença era com Médici – em um interrogatório, contudo, o cantor bateu o pé ao ser questionado sobre quem era o “você” da canção. “É uma mulher muito mandona, muito autoritária”, teria dito. 



Jorge Maravilha (Chico Buarque, sob heterônimo de Julinho da Adelaide) 


Quando Chico Buarque tapeou a censura com “Apesar de você”, ele despertou a “ira” dos censores, que passaram a vetar praticamente toda canção cuja autoria fosse de Chico. Então, para driblar a censura, Chico usou um pseudônimo: Julinho da Adelaide. Foi assim que ele lançou o LP “Sinal Fechado” em 1974 e várias canções que se valiam de metáforas e dos artifícios já mencionados para se referir ao regime e lançar provocações. Uma delas foi “Jorge Maravilha”, cujo verso “Você não gosta de mim mas sua filha gosta” chegou a ser interpretado como pirraça ao então presidente Geisel, já que sua filha teria admitido gostar das músicas de Chico. Julinho chamou tanta atenção que Chico chegou a dar entrevista para o jornal Última Hora incorporando o personagem. 





Matéria no jornal sobre Julinho da Adelaide 



Depois de descobrir o “esquema” de Chico, a censura passou a exigir RG e CPF dos compositores. 










Adoniran Barbosa


Tiro ao Álvaro 




A justificativa para a proibição da clássica canção “Tiro ao Álvaro”, do sambista paulista Adoniran Barbosa, revela o apreço ao português bem falado dos parâmetros da censura: a “falta de gosto” por conta do “erros” de pronúncia e de português na letra impediam sua liberação. “Tauba”, “artomórve”, “revorve”. 








Documento vetando a letra de ‘Tiro ao Álvaro’ 


O que o sambista estava fazendo era um claro recurso poético, utilizado desde os modernistas do início do século, de assumir a coloquialidade da fala popular em uma letra de música. O censor no entanto tratou como erros de português. 






Caetano Veloso

Vaca Profana 





A música foi censurada em 1984, quando Gal Costa lançou a canção no álbum “Profana”. O motivo da censura foi a violação da moral e dos bons costumes, 




Vaca profana (Caetano Veloso) 



Respeito muito minhas lágrimas
Mas ainda mais minha risada
Inscrevo, assim, minhas palavras
Na voz de uma mulher sagrada 


Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada
Vaca profana, põe teus cornos
Pra fora e acima da manada 


Ê, ê, ê, ê, ê
Dona das divinas tetas
Derrama o leite bom na minha cara
E o leite mau na cara dos caretas 


Segue a movida Madrileña
Também te mata Barcelona
Napoli, Pino, Pi, Paus, Punks
Picassos movem-se por Londres 


Bahia, onipresentemente
Rio e belíssimo horizonte
Bahia, onipresentemente
Rio e belíssimo horiz 


Ê, ê, ê, ê, ê,
Vaca de divinas tetas
La leche buena toda en mi garganta
La mala leche para los puretas 


Quero que pinte um amor Bethânia
Stevie Wonder, Andaluz
Como o que tive em Tel Aviv
Perto do mar, longe da cruz 


Mas em composição cubista
Meu mundo Thelonius Monk's blues
Mas em composição cubista
Meu mundo Thelonius Monk's 


Ê, ê, ê, ê, ê,
Vaca das divinas tetas
Teu bom só para o oco, minha falta
E o resto inunde as almas dos caretas 


Sou tímido e espalhafatoso
Torre traçada por Gaudi
São Paulo é como o mundo todo
No mundo, um grande amor perdi 


Caretas de Paris e New York
Sem mágoas, estamos aí
Caretas de Paris e New York
Sem mágoas, estamos ai 


Ê, ê, ê, ê, ê,
Dona das divinas tetas
Quero teu leite todo em minha alma
Nada de leite mau para os caretas 


Mas eu também sei ser careta
De perto, ninguém é normal
Às vezes, segue em linha reta
A vida, que é 'meu bem, meu mal' 


No mais, as ramblas do planeta
Orchta de chufa, si us plau
No mais, as ramblas do planeta
Orchta de chufa, si us 


Ê, ê, ê, ê, ê,
Deusa de assombrosas tetas
Gotas de leite bom na minha cara
Chuva do mesmo bom sobre os caretas 


Caso tardio de censura, a canção de Caetano Veloso foi censurada em 1984, quando do lançamento do álbum Profana, de Gal Costa. Segundo a Divisão de Censura de Diversões Públicas, a letra de Caetano feria a moral e os bons costumes em seus versos semipornográficos e… profanos. 





No disco “Índia”, em 1973, Gal Costa aparecia de tanga, em close, e na contra capa posava com os seios à mostra. Vetada, a arte do disco só foi liberada recentemente. 



Já no álbum Jóia, de 1975, em que Caetano Veloso aparecia nu com sua mulher e seu filho, com pombas cobrindo a genitália, a censura só liberou as pombas. 







Deus e o diabo

Caetano Veloso, 1973 (lançada em 1977) 


Caetano, além de ter músicas censuradas, foi preso. Foram quatro idas e vindas a Brasília para tentar liberar a música. A marchinha de carnaval com associação a Deus e ao diabo irritou a religiosidade dos militares. Nos últimos versos da versão original “cidades maravilhosas dos bofes do meu Brasil”, o vocábulo “bofes” precisou ser substituído por “pulmões”. Pelo visto os censores militares não sabiam que bofe se refere a um parceiro homossexual. 









Deus e o diabo 


Você tenha ou não tenha medo
Nego, nega, o Carnaval chegou
Mais cedo ou mais tarde acabo
De cabo a rabo com essa transação de pavor 


O carnaval é invenção do diabo
Que deus abençoou 


Deus e o diabo no Rio de Janeiro
Cidade de São Salvador
Não se grile
A rua Chile sempre chega pra quem quer
Qual é! qual é! qual é!
Qual é! qual é!...
Quem pode, pode
Quem não pode vira bode
Foge pra praça da sé 


Você tenha ou não tenha medo
Nego, nega, o Carnaval chegou
Mais cedo ou mais tarde acabo
De cabo a rabo com essa transação de pavor 


O Carnaval é invenção do diabo
Que Deus abençoou 


Deus e o diabo no Rio de Janeiro
Cidade de São Salvador
Não se grile
A rua Chile sempre chega pra quem quer
Qual é! qual é! qual é!
Qual é! qual é!...
Quem pode, pode
Quem não pode vira bode
Foge pra praça da sé 


Cidades maravilhosas
Cheias de encantos mil
Cidades maravilhosas
Os pulmões do meu Brasil 


Você tenha ou não tenha medo
Nego, nega, o Carnaval chegou
Mais cedo ou mais tarde acabo
De cabo a rabo com essa transação de pavor
O carnaval é invenção do diabo
Que deus abençoou 


Deus e o diabo no Rio de Janeiro
Cidade de São Salvador
Não se grile
A rua Chile sempre chega pra quem quer
Qual é! qual é! qual é!
Qual é! qual é!...
Quem pode, pode
Quem não pode vira bode
Foge pra praça da Sé 


Cidades maravilhosas
Cheias de encantos mil
Cidades maravilhosas
Os pulmões do meu Brasil 


Compositores: Caetano, Emmanuel, Viana Teles Veloso 



Blitz


Cruel, cruel esquizofrênico blues/Ela quer morar comigo na lua


Catapultado pelo enorme sucesso da canção “Você não soube me amar”, o primeiro disco da Blitz, “As Aventuras da Blitz”, de 1982, tornou-se um fenômeno, vendendo mais de 300 mil cópias e tornando-se um dos pontos fundadores do que viria a se tornar o BRock, o rock da geração 1980. Acontece que a censura ainda funcionava, e as duas últimas faixas do discos, “Cruel, cruel esquizofrênico blues” e “Ela Quer Morar Comigo na Lua”, foram vetadas, mesmo depois da primeira prensagem do disco já ter sido fabricado (a primeira por conter um palavrão, e a segunda provavelmente por cantar a palavra “bundando”). 





Dizem que a solução encontrada foi riscar manualmente as faixas em 30 mil cópias. Porém, isso parece ser improvável. 


 


Milton Nascimento

Milagre dos Peixes 


O seu disco, Milagre dos Peixes, de 1973, foi praticamente censurado por completo por conter letras que instigavam à luta armada e fazia críticas violentas aos militares. 8 das 11 faixas tiveram suas letras proibidas pela censura. O plano de Milton era deixar cinco das onze faixas apenas instrumentais. O número foi elevado a oito por força do veto a três letras, obrigando-o a compensar a falta de texto com vozes. 


Bodas 


Milton Nascimento 


Chegou no porto um canhão
Dentro de uma canhoneira, neira, neira...
Tem um capitão calado
De uma tristeza indefesa, esa, esa...
Deus salve sua chegada
Deus salve a sua beleza
Chegou no porto um canhão
De repente matou tudo, tudo, tudo...
Capitão senta na mesa
Com sua fome e tristeza, esa, esa...
Deus salve sua rainha
Deus salve a bandeira inglesa
Minha vida e minha sorte
Numa bandeja de prata, prata, prata...
Eu daria à corte atenta
Com o cacau dessa mata, mata, mata...
Daria à corte e à rainha
Numa bandeja de prata, prata, prata...
Pra ver… 



















Hoje é dia de El-Rey 

Milton Nascimento e Marcio Borges 



Não pode o noivo mais ser feliz 

Não pode viver em paz com seu amor 

Não pode o justo sobreviver 

Se hoje esqueceu o que é bem-querer 

Rufai tambores, saudando El-Rey 

Nosso amo e senhor dono da lei 

Soai clarim pois o dia do ódio e o dia do não 

Vem com El-Rey 



Filho meu, ódio você tem 

Mas alguém quer provar o seu amor 

Sem clarins e sem mais tambor 

Nenhum rei vai mudar a velha dor 



Juntai as muitas mentiras 

Jogai soldados na rua 

Nada sabeis desta terra 

Hoje é o dia da lua 



Filho meu, cadê teu amor 

Nosso rei tá sofrendo a tua dor 



Leva daqui tuas armas 

Então cantar poderia 

Mas em teus campos de guerra 

Ontem morreu a poesia 

El-Rey virá calar… 



Meu filho você tem razão 

Mas acho que não é em tudo 

Se a gente fosse o que pensa 

Estava em outro lugar 

Medo ninguém tinha agora 

E tudo podia mudar 


Matai o amor, pouco importa 

Pois outro haverá de surgir 

O mundo é pra frente que anda 

Mas tudo está como está 

Hoje então e agora 

Pior não podia ficar 



Largue seu dono, viaje noutra poesia 

Se hoje é triste e coragem pode matar 

Vem, amizade não pode ser com maldade 

Se hoje é triste a verdade 

Empurre a porta sombria 

Encontre nova alegria para amanhã. 


Em uma entrevista o Milton Nascimento afirmou: “o tempo da canção passou. Regravá-la hoje teria como único propósito um mergulho no passado, algo mais interessante para a História. Eu a considero obra do tempo dela, metafórica, até certo ponto infantil. Éramos jovens.” 







Zé Keti


Acender as velas 


Uma das obras-primas de Zé Keti, Acender as Velas foi, assim como o clássico samba Opinião, proibida por motivos evidentes: As canções denunciavam a dureza e o calvário do dia-a-dia na favela em meados dos anos 1960, revelando a violência da situação social da população mais carente dos morros cariocas na época. As críticas sociais não eram bem vistas pelo militares. 


Acender As Velas 


Zé Keti, 1964 



Acender as velas 

Já é profissão 

Quando não tem samba, 

Tem desilusão (2x) 



É mais um coração 

Que deixa de bater 

Um anjo vai pro céu 

Deus me perdoe, mas vou dizer 

Deus me perdoe, mas vou dizer 



O doutor chegou tarde demais 

Porque no morro não tem automóvel pra subir 

Não tem telefone pra chamar 

E não tem beleza pra se ver 

E a gente morre sem querer morrer 

E a gente morre sem querer morrer 







Gilberto Gil/Chico Buarque

Cálice 

Repleta de metáforas a respeito da situação política e social do país de então, a composição partiu de Gilberto Gil, em 1973, em alusão à fala e ao calvário de Jesus Cristo no refrão. O duplo sentido e a ambiguidade marcam a palavra “cálice” com o imperativo “cale-se”, e foi utilizado como tentativa de, em um elaborado jogo de palavras, criticar e ao mesmo tempo driblar a censura. 





No dia de lançamento da canção, no histórico show Phono 73, os microfones foram cortados, e a música foi cantada aos trancos e barrancos, sem letra, somente com melodia e a repetição do título. 






A canção só viria a ser de fato lançada oficialmente em 1978. 





Taiguara

Que as crianças cantem livres 



De todos os compositores perseguidos pela censura e pela ditadura, é provável que nenhum outro tenha sido tão prejudicado quanto foi Taiguara. Nada menos que 68 de suas canções foram proibidas. “Que as crianças cantem livres”, já pelo título, era uma crítica direta às proibições do regime. A música só veio a ser liberada em 1982. 





Mais conhecido por suas canções românticas, o cantor Taiguara foi um dos músicos mais censurados durante o regime civico-militar instituída no Brasil em 31 de março de 1964 e que durou 21 anos. 




"Tinta Fresca" foi uma das músicas de Taiguara censuradas pelo regime militar.  


Janes explica que as músicas românticas eram da época em que Taiguara era mais conhecido. No entanto, quando o regime militar começou a censurar trabalhos artísticos, ele acabou se auto exilando em Londres e, depois, na Tanzânia. No meio tempo, se aproximou da luta política e chegou a militar junto ao Partido Comunista.