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sábado, 16 de maio de 2020



China: A espiral do silêncio através do sentimento de mágoa.


Original da thread do Twitter de Rodrigo da Silva

Eu aposto. Você leu na imprensa dezenas de vezes a respeito nas últimas semanas: os chineses estão ofendidos.

Quer saber qual é a verdadeira história por trás desse sentimento de mágoa política - e do medo por suas consequências?

Segue a thread:



Há uma expressão em chinês para isso: "ferir os sentimentos do povo chinês". 伤害 了 中国 人民 的. Há décadas, Pequim utiliza dessa tática como intimidação diplomática. É um instrumento político poderoso. Há até verbete na Wikipedia a respeito.











Segundo o pesquisador David Bandurski, entre 1959 e 2015, o Diário do Povo utilizou 143 vezes da tática "ferir os sentimentos do povo chinês". O Japão lidera a corrida de ofensas, com 51 acusações. Os Estados Unidos aparecem em segundo lugar, com 35.

O pesquisador Wang Honglun aponta um número ainda maior: entre 1949 a 2013, o Diário do Povo, porta-voz do Partido Comunista, acusa estrangeiros de ferir os sentimentos do povo chinês exatas 319 vezes.







Até 2009, 42 países haviam sido acusados de ofensa à China. E não apenas nações desenvolvidas, mas também Guatemala, Malawi, Honduras, Nicarágua, Ilhas Salomão, Jordânia, Burkina Faso, Senegal, Suazilândia, Gâmbia, Libéria, Albânia e São Tomé e Príncipe.






Ricos e pobres são indiscriminadamente acusados de xenofobia e de "ferir os sentimentos do povo chinês", pelos motivos mais inofensivos possíveis. Para isso, basta desagradar os interesses políticos do regime. Como crianças mimadas, ninguém escapa.




Durante as Olimpíadas de Pequim, em 2008, a expressão foi usada tantas vezes que provocou uma onda de posts e artigos nos veículos ocidentais tentando entender por que o governo chinês ficava magoado com absolutamente qualquer coisa.

Apenas o Diário do Povo utilizou a expressão "ferir os sentimentos do povo chinês", acusando nações e organizações de desrespeitar a China, 88 vezes nos meses que antecederam as Olimpíadas de 2008.




Em 2011, nem o salmão norueguês escapou do jogo diplomático, boicotado por uma China ofendida pela premiação do ativista Liu Xiaobo no Nobel da Paz.





Em 2018, a alemã Mercedes-Benz pediu desculpas por "ferir os sentimentos" da China, depois de citar o Dalai Lama numa postagem no Instagram. Os chineses ficaram ofendidíssimos pela publicação desta imagem motivacional:






E a Mercedes-Benz não foi a única companhia a ser acusada de xenofobia. Entre 2017 e 2019, pelo menos 25 marcas globais foram forçadas a pedir desculpas para a China, por ofender os sentimentos do povo chinês.





Ofenderam a China em 2019: NBA, Apple, Versace, Dior, ESPN, Vans, Swarovski, Tiffany.


































Em 2018, um empregado de um hotel da rede Marriott em Nebraska, nos EUA, curtiu um tweet sobre o Tibet. O governo chinês exigiu que a Marriott desligasse todos os seus sites e apps no país por 7 dias. A empresa pediu desculpas. O funcionário foi demitido.


Há poucos dias, até uma das revistas científicas mais importantes do mundo, a Nature, pediu desculpas à China por ter dito que o novo coronavírus veio da China:

"Foi um erro de nossa parte pelo qual assumimos a responsabilidade e pedimos desculpas."



Não raramente, organizações acadêmicas são acusadas de ofender a China.

Em 2008, foi a Universidade de Londres.




Em 2017, a Universidade da Califórnia.



Em 2018, a Universidade da Coréia.


Mais de 100 entrevistados pela publicação progressista The New Republic - como professores, estudantes, reitores e ex-alunos de universidades americanas - revelaram uma prevalência de autocensura nas instituições em relação à China. 

Em 2019, um professor britânico foi questionado pela administração de sua universidade se poderia remover um pôster do tanque da Praça da Paz Celestial de seu escritório porque isso poderia ofender os chineses. Ele recusou.

Em 2017, uma estudante universitária chinesa fez um discurso de formatura nos Estados Unidos elogiando a liberdade de expressão no país. O endereço residencial de sua família foi amplamente compartilhado na China. Ela pediu desculpas no dia seguinte.




A ironia, como aponta esse artigo da The Economist, é que o regime raramente deseja que a população chinesa expresse seus sentimentos e, de fato, teme que a manifestação da opinião pública, insistentemente censurada, desafie o seu controle no país.



Em 2016, um concurso virtual chegou a ser organizado para selecionar os melhores pedidos de desculpas dados por "ofender" a China. Milhares de pessoas participaram do #FirstAnnualApologiseToChinaContest, que foi parar até no The New York Times.



Acusar de racista ou xenófobo organizações ou países que desagradam o governo chinês é uma prática de Pequim há 6 décadas. Não há nada de novo com o que ocorre nesta pandemia de coronavírus a qualquer pessoa que tenha minimamente estudado a história da política externa chinesa.


Lembre-se disso sempre que questionar o regime chinês e receber mensagens com acusações de xenofobia.


Chama-se autocensura. E é só mais uma tentativa grosseira de silenciamento perpetuada por extremistas políticos, difusores da propaganda oficial da maior autocracia do planeta.

Link relacionados:



"ferir os sentimentos do povo chinês"


David Bandurski


porta-voz do Partido Comunista, acusa estrangeiros de ferir os sentimentos do povo chinês exatas 319 vezes.


Quem mais machucou o sentimento chinês.


Mapeando os sentimentos feridos da China


Ferindo o sentimento chinês.

Boicotando o salmão norueguês


Pedido de desculpas da Mercedes Benz.


25 marcas pedem desculpa a China.


Protestos contra a NBA

Apple

Versarce




ESPN


Tiffany

Marriott

Nature


The Guardian

Universidade da Califórnia


Universidade da Coreia

Auto censura nas universidades americanas em relação a China.

Yang Shuping


The Economist


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